quinta-feira, 29 de julho de 2010

A hipótese da ordem natural


A hipótese da ordem natural  (the natural order hypothesis)
autor:Stephen Krashen
tradução: Eduardo Portela

De acordo com a hipótese da ordem natural, adquirimos partes de uma lingua em uma ordem previsível. Alguns ítems gramaticais, por exemplo, tendem a ser adquiridos antes do que outros.


A ordem na qual adquirimos a primeira lingua é similar à ordem de aquisição do segundo idioma, porém não idênticas. É fato , por exemplo, que o gerúndio (terminação -ing; dancing, walking, eating)  é adquirido relativamente cedo na primeira lingua, enquanto que a terceira pessoa do singular (he, she, it) é adquirida posteriormente. A terceira pessoa do singular pode aparecer de seis meses a um ano após a aquisição do gerúndio.

Na aquisição de uma segunda lingua em adultos, o gerúndio também aparece relativamente cedo, mas a terceira pessoa do singular pode nunca aparecer.

É comum ouvir pessoas que falam Inglês muito bem como segunda lingua, mas que ainda não utilizam corretamente a terceira pessoa do singular.

Nem todos os alunos seguem a mesma ordem no processo de aquisição, ainda que essa variação não seja muito expressiva. Existe um claro ordenamento "padrão" da aquisição.

Há três fatos extraordinários sobre o fenômeno da ordem natural:

1- A ordem natural não é baseada em características óbvias de simplicidade e complexidade. Algumas regras que aparentam ser simples (ex. terceira pessoa do singular) só são adquiridas a posteriori. Outras regras aparentemente complexas aos olhos dos linguistas, são adquiridas antes. Isso representa um problema para os autores de livros que apresentam as regras numa escala da mais simples para a mais complexa. A regra pode parecer simples para um linguista, mas poderá ser adquirida só posteriormente.

2- A ordem natural não pode ser alterada. Ela é imune ao ensino deliberado. Não é possível alterar a ordem natural através de explicações, simulados, ou exercícios. O professor pode fazer chamada sobre a terceira pessoa do singular durante várias semanas, mas ela não será adquirida até que o aluno esteja pronto. Isso explica uma boa parte da frustração existente entre alunos de uma segunda lingua.

3- Com base no supracitado, podemos pensar que a solução do problema seria simplesmente a de ensinar na ordem natural; bastaria descobrir quais itens são aprendidos antes e quais são aprendidos depois. No entanto, a ordem natural não é a ordem de ensino (voltarei a esse tema posteriormente).

[...]

A teoria da informação compreensível  (The comprehensible input teory)

Se o professor é capaz de fornecer uma boa quantidade de informação compreensível para seus alunos, as estruturas que estão prontas para serem adquiridas já se encontram presentes nessas informações. Não é necessário verificar se elas estão realmente lá, não é necessário focar em determinados pontos gramaticais.

Antes de prosseguir, é necessário dizer que a precisão gramatical é uma meta importante. O que se discute aqui é como atingir essa meta. O argumento é: a melhor forma de atingir precisão gramatical é através da apresentação de conteúdos compreensíveis, em substituição à instrução gramatical direta.


Todos nós nos lembramos de aulas centradas na gramática. Os alunos focam em uma regra por vez, e quando esta tenha sido "dominada", passam para a próxima. Isso simplesmente não funciona:

1- E se o aluno faltar à uma aula? Se a aula é centralizada na gramática, esse aluno acaba de perder a "regra do dia". No entanto, se a aula é baseada em conteúdos compreensíveis, esse problema não existe. Toda aula contará com um rico fornecimento de gramática e vocabulário, e existirão muitas chances para que os alunos adquiram  esse conhecimento, enquanto que numa exposição gramatical há uma única chance - a não ser que sejam feitas revisões.

2- Ainda que todos nós passamos pelo mesmo processo de aquisição, existem variações individuais. Alguns alunos irão progredir mais rapidamente que outros. Alguns alunos adquirem linguagem fora da sala mais do que outros. Se a "regra do dia" for por exemplo o passado, é provável que alguns alunos já o tenham adquirido, enquanto que outros podem não estar prontos para isso. Com o método de informação compreensível, todos serão contemplados, ainda que o próximo passo não seja o mesmo. Não é necessário saber exatamente onde cada aluno se situa em termos de desenvolvimento linguístico; o que é necessário é fornecer o máximo de informação compreensível.

3- Para ensinar gramática, o professor precisa saber gramática, e essa é uma tarefa cada dia mais difícil. A cada nova descoberta, a cada nova regra gramatical e cada nova regra de competência sociolinguistica,  a grade curricular fica mais e mais complexa, e nunca irá terminar. No entanto, se a informação compreensível for farta, os alunos irão absorver as regras que os professores e os bons autores utilizam, mesmos eles não saibam conscientemente as regras gramaticais.

4- O problema mais sério com relação ao um ensino baseado em gramática é que ela é extremamente chata. É muito difícil dizer coisas interessantes e compreensíveis quando por trás disso existe uma agenda gramatical oculta.

(continua)

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